Há um
inimigo, que é meu Amigo,
No
centro da Guerra que arde em redor.
Não
posso cuidar dum Amigo em perigo,
Se eu o
pressinto ou sinto temor.
Além das
Bandeiras que, ambos, trocamos
Existem
Deveres de um Juramento.
Há olhos
que veem o quanto choramos,
A perda
de Amigos, dor e sofrimento...
Quedei-me
da Vida e decidi morrer.
Parti,
consciente de não mais voltar;
Saiu-me,
por sorte, quem me viu chorar.
Acorda-me,
o instinto de sobreviver,
Ao ver a
pègada do Anjo invisível,
Que foi
meu Amigo, no momento incrível.
Santos Oliveira
Ilha do Cômo/Guiné
31DEZ64
...Foi há 50 anos!...
Cachil-Ilha do Cômo- Finais de Dez64
Tinha
acabado de receber notícias trágicas acerca da morte dos meus dois amigos de
infância. Isolava-me e chorava e este sentimento de perda prolongou-se
por alguns dias. O poiso escolhido era o topo da paliçada, onde fingia
fazer a vigilância habitual, embora perfeitamente exposto. Apetecia-me morrer.
Foi terrível. A minha vida morreu; morreram os
meus amigos (Santos Oliveira)
Assim,
pelos últimos dias do Ano (1964), tomei a G3 (Arma automática, de Serviço),
umas quantas Granadas, coloquei a minha Boina Preta, Cinto e Lenço Ranger
(seda azul) e informei os meus militares de que iria dar uma espreitadela pela
orla da Mata, pelo que entregava o Comando, ao Cabo Gomes (1916/63) com a
informação exacta de fazer fogo como estava prèviamente estabelecido. Não havia
mas, nem meios mas. Era uma Ordem.
Um dos
Soldados, o Júlio Batata (2032/63) perguntou se também podia ir. Anuí, mas
informei que íamos por nossa conta e risco; outros mais se prestaram a
acompanhar-me mas recusei com o argumento de ser necessário guarnecer os
Morteiros de gente, que eles não se disparavam sozinhos, etc. mas acabei por
aceitar um outro que, no momento, não recordo quem (posso indagar depois).
Informamos
o Plantão da Companhia residente (creio ter sido a CCaç.728) do que íamos fazer
e lá partimos, com as precauções necessárias.
Chegados
próximo da Orla da Mata, encontramos um carreiro de formigas com mais de um
palmo de largo, a tentar refazer o seu percurso em grande afã, mas numa
estranha confusão. Percebia-se, por baixo daquele caos, a marca duma pegada, de
pé descalço, que havia despoletado tal evento. Foi, de imediato, assumido o
regresso, pois as evidências eram demasiado esclarecedoras que estava alguém,
uns passos à nossa frente.
Chegados,
constatei que havia perdido o meu querido Lenço. No amanhã se veria o que
fazer.
Ao raiar
do dia, os mesmos, retornamos, tomando mais cautelas, procuramos os pontos onde
nos havíamos agachado ou rastejado e encontramos o meu Lenço com uma folha de
Caderno onde se lia (em Português correcto): ”TENHO-TE VISTO CHORAR”.
Fiquei
paralisado por instantes. Voltei o papel e escrevi: ”OFEREÇO-TE O MEU LENÇO”.
Custou-me
imenso descansar aquela noite tal a ansiedade que de mim se apoderou. Tinha a
infantil curiosidade de tentar adivinhar o que se passava, pois era
incompreensível. Por outro lado já havia tomado consciência do risco
desnecessário que havia corrido e fizera os meus Soldados correr. Era uma
lotaria, um jogo… e o jogo vicia.
A
curiosidade matou o rato, diz o ditado. Eu estava por tudo. Queria saber se o
lenço tinha sido levantado.
Recusei,
sem resultados, a companhia dos Soldados. Bem mais à vontade (um erro que podia
ter sido fatal) dirigimo-nos ao local.
Estava
um daqueles pingalins, ou chicotes, muito elaborado, com uma mancha de sangue
no punho e um novo papel que dizia: ”EU QUERIA, ERA, UMA BANDEIRA TUA”.
Atónito
e já muito inquieto, voltei o papel e escrevi: ”VOU VER O QUE POSSO FAZER”.
Regressamos muito mais apressados que o habitual. Era necessário ter os
acontecimentos sob controlo porque doutro modo iria sobrar coisa grossa.
Os
restantes elementos do P.Mort.912, começaram a questionar o que íamos fazer
todos os dias. Começou a ser difícil segurar o segredo. Que íamos ver se havia
qualquer possibilidade de haver caça, dizíamos.
Na mala
tinha uma bandeira de Portugal, tipo galhardete, das que se usavam, na época,
nos vidros dos automóveis. Fui buscá-la, lembro bem tê-la apertado no peito e
lá retornamos, com a promessa que seria a última vez que sairíamos, se não se
encontrassem indícios de caça. Lá chegados, encontrei um Galhardete e um Crachá
do PAIGC e um papel que dizia: “GUARDA E LEVA ESTA PARA A TUA TERRA”.
Petrifiquei. Acho que fiquei imóvel tempo demais porque os Soldados me
perguntavam: ”O QUE SE PASSA, MEU FURRIEL?”. Rapidamente, retirei a Nossa
Bandeira, Coloquei-a na estaca, escrevi por trás do papel: ”EM NOME DA PAZ”.
Fiz Continência e todos desatamos em corrida mais ou menos desordenada para o
Quartel.
Tudo se
ficou por segredo solene até ao dia de hoje em que falei com O Soldado Júlio
Batata que concordou fosse contada esta História.
O
Galhardete e o Crachá sempre ficaram e estão comigo.
Do meu
Companheiro de Armas do Campo oposto, a quem nunca vi o rosto, nunca tive
notícias. Se lhe chegar esta mensagem, ele reconhecerá a História que ajudou a
construir, recebê-lo-ei de braços abertos.
O Pulsar
do coração e adrenalina, não serão mais as mesmas, mas o sentimento, esse, é
sempre igual.
Santos Oliveira
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